Por Jéfter Gabriel e Lucas Camurça – Fortaleza, CE

Moésio Baltazar é um de nossos colaboradores desde 2015. Começou sua vida musical aos 11 anos de idade, por influência dos pais e familiares que já eram envolvidos com a música. Com 15 anos, ele já tocava nas missas da escola e, por integrar e atuar nesses eventos escolares ganhou bolsa integral para continuar estudando. Dos 17 aos 19, estudou piano popular, canto e teoria musical no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno (CMAN), em Fortaleza-CE.

Durante este intervalo de tempo, Moésio já era envolvido com diversas bandas da cidade, principalmente no ramo do reggae e do samba.

Apesar de ter muita bagagem e ser um músico prático, multi-instrumentista, ele não tem formação superior em Música, porém é Bacharel em turismo com especialização em organização de eventos.

Inserido no IAPS como educador social em um dos abrigos, Moésio precisou fazer um intercâmbio para o Canadá e se desligou da função. Dois anos depois, ele reencontrou Simone Fernandes (Presidente do IAPS), e ela lhe disse que estava com um projeto para dar vida a uma Escola de Música para a comunidade. Desde então, ele foi intimado a realizar esse grande sonho.

Sobre a sua atual função, nós perguntamos como funcionam os cursos, quais as modalidades presentes na escola de música do IAPS, faixas etárias e muitas outras coisas sobre as aulas prestadas. Acompanhe tudo isso na entrevista a seguir.  

Entrevista completa

Moésio, quais as modalidades que o curso de música apresenta?

Quando eu cheguei aqui, nós tínhamos dez violões, alguns instrumentos de sopro, mas não havia tanto recurso disponível para conseguir incluir tantos estudantes. Iniciamos com dez vagas de violão, sendo cinco pela manhã e cinco pela tarde. Nas aulas de canto eram trinta vagas em três turmas; uma pela manhã e duas pela tarde. Era mais ou menos isso, cinquenta pessoas no total, e as modalidades só eram canto e violão. O tempo foi passando, e nossa presidente foi conseguindo investir sempre uma pouco a cada dia que passava. Até que começamos as aulas de sopro, inicialmente com a flauta doce, apenas.

Tínhamos instrumentos de sopro da classe dos metais, das madeiras e algumas percussões… uns dez instrumentos no máximo. Hoje nós temos mais de cinquenta instrumentos, conseguindo oferecer muito mais vagas. Além disso, muitos estudantes, hoje já possuem seus próprios instrumentos. No início era mais simples, mas sempre com muito compromisso e seriedade com o ensino musical. Com o sucesso das atividades, conseguimos dar uma abrangência maior, oferecendo mais vagas para comunidade, pois a procura aumentava a cada dia. […] É lindo ver os nossos recitais musicais, com esse pátio lotado, além dos grandes eventos que o IAPS sempre realiza. Por ter esse compromisso com a comunidade é que alcançamos essa grande visibilidade e reconhecimento do impacto positivo da nossa atuação.

Com o esforço da direção e ajuda dos parceiros, o IAPS atualmente oferta aulas de canto, violão e sopro. Temos 2 salas de aula bem equipadas e amplas, vários grupos de referência como por exemplo a banda de música na classe do sopro e o coral do IAPS, fruto das aulas de canto. Não poderia deixar de falar da nossa parceria com a Agência do Bem, que presenteou a nossa comunidade com a Escola de Música e Cidadania – EMC, oferecendo mais 50 vagas na classe de cordas friccionadas e aulas de cidadania. Juntando as vagas que escola de música do IAPS dispõe com as da EMC, temos cerca de 210 pessoas sendo acolhidas.

“O polo IAPS, por vários anos, ficou no topo dos indicadores de desempenho da EMC Brasil, graças ao desenvolvimento musical dos estudantes, somado ao baixo número de desistências e de evasões. É um orgulho muito grande.”

Moésio, é interessante você falar sobre as tuas experiências, porque isso serve também de inspiração pros alunos, e nós sabemos que o objetivo da Escola de Música do IAPS é democratizar a cultura através da música. Pensando nisso, é possível um único aluno se matricular em mais de um curso?

Primeiramente falando sobre ser inspiração, eu me sinto muito feliz de verdade! Sou privilegiado e tive a sorte de encontrar pessoas de coração enorme; Começo falando de nossa presidente Simone Fernandes. O que seria de mim se não fosse a Simone? Desde quando eu era muito jovem, ela me deu a oportunidade de trabalhar na área social e me auxilia até hoje de tudo que é forma. Sou um exemplo real da transformação que o IAPS proporciona. Falando sobre os cursos e matrículas, temos modalidades que uma complementa a outra. Falo do curso de canto somado ao estudo de algum instrumento musical. A gente limita as matrículas apenas em um instrumento e/ou aulas de canto. Como a nossa demanda e lista de espera é muito grande, ao limitar o número de cursos por matrícula, alcançamos e acolhemos mais pessoas, pois acreditarmos que o estudante consegue se dedicar e se desenvolver mais estando focado em no máximo duas modalidades.

Como eu falei anteriormente, o canto é um ótimo complemento para quem estuda algum instrumento. As aulas de canto (além ser algo muito rico musicalmente) ajuda muito no desenvolvimento e relação interpessoal, trabalho em grupo, respiração, postura, leitura (temos músicas em português e em inglês) que ajudam a melhorar o vocabulário e a dicção dos estudantes, dentre várias outros fenômenos vividos em sala de aula e em nossas apresentações pela cidade

Como funcionam os períodos do curso? Têm datas e horários específicos de início e fim?

A escola de música do IAPS, antes de ser uma escola de música é um projeto social de inclusão. Temos um critério de entrada que é a idade mínima de 7 anos. Em média, pessoas nessa faixa etária já consegue ter uma compreensão melhor dos conteúdos ensinados em sala. Planejamos nossas aulas com rigor pedagógico tal qual de uma escola de música profissional, não deixando a desejar em nada em nossa metodologia. Para isso é importante que o aluno e a aluna já possua noções de letras, entenda as sílabas, frases, números, além de se sentir bem em sala de aula com outros colegas.

Às vezes um menino de quatro, cinco, seis anos ao sair de perto da família fica muito tímido, assustado, podendo vim até a chorar. É claro que isso não é o que queremos causar. Por isso que limitamos a idade mínima de sete anos, tanto para escola de música do IAPS, quanto para a EMC. Porém isso é apenas para entrada nos cursos. Não limitamos idade máxima para permanência em nossos cursos.

Agora na banda de música, o limite de idade para entrada é de quatorze anos. Esse critério é usado devido o desenvolvimento dos instrumento de sopro maior (sax, trompete, trombone, …) ocorre em longo prazo. Por exemplo, ele entra com uma flauta doce aos quinze; vai se apropriar de um instrumento maior, já tá com dezesseis; vai entrar na banda de música aos dezessete/dezoito anos, idade que geralmente o estudante tem ido em busca de emprego e faculdade, ficando inviável a permanência no grupo de referência. Resumindo: Sete anos para a entrada, mas de saída não tem limite máximo. E outra coisa importante que queria registrar é que muitos idosos nos procuram para se matricular no curso de música.

Além do trabalho musical que é a nossa principal característica, é muito relevante o “efeitos colaterais” que nossas atividades causam positivamente em nossos estudantes. São vários casos de pessoas que por sair da ociosidade, são muito mais felizes. A música ocupa a mente de forma edificante, aumentando autoestima. Temos vários relatos de superação da timidez, ansiedade e até depressão.Pessoas que tinham complexos de inferioridade por achar que não eram capazes de aprender a cantar, tocar e hoje estão empoderadas e com a vida transformada. Sobem ao palco com o uniforme do IAPS, “enfrentam” o público e se apresentam com muita confiança.

Como se matricular nos cursos?

O interessado precisa ir até a sala da coordenação e é feita uma entrevista para traçar o perfil. Nesse momento é explicado como é feito o nosso trabalho, a nossa abrangência, são explicadas as nossas regras de permanência e analisado o nível de maturidade. Afinal, são turmas diferentes; cada turma tem o seu nível e sua faixa etária.

“Quem decide o curso que vai fazer é o aluno.”

Os pais podem acompanhar a nossa conversa, mas nós pedimos que eles não interfiram na escolha dos filhos. Então para fazer a primeira matrícula, o interessado precisa vir pessoalmente. Em caso de rematrícula, pode ser feita através de ligação, Whatsapp, ou qualquer outro meio de comunicação.

Moésio, você falou muito sobre as experiências que os alunos têm aqui, e nós sabemos que o impacto na vida dessas pessoas é real. Como coordenador do curso de música e participante ativo nessa mudança, como você se sente?

O meu discurso é esse, todo mundo já conhece, eu sou um funcionário, eu sou pago pra isso, eu trabalho com isso, busquei me capacitar pra isso. Então nós, professores, somos apenas agentes de transformação.

“Mas isso é o programa de música do IAPS, poderia ser no teatro, na dança, na informática, poderia ser no que fosse. Essa é a essência do trabalho do IAPS: transformar vidas.”

Nós não estamos preocupados se a pessoa vai sair da porta pra fora sabendo tocar, mas eu tenho certeza que os conceitos abordados e desenvolvidos em uma sala de aula que são, por exemplo: o respeito, a educação e a disciplina em saber que o colégio e o estudo vêm em primeiro lugar.

E eles (os alunos), amam estar aqui porque é um ambiente muito legal, dinâmico. Saímos, passeamos, fazemos amizade. Aprende a tocar/cantar, vai para as apresentações, sobe nos palcos, viajamos… e isso pra eles é muito animador. Além de ser um complemento educacional, pois o estudo da música ajuda a ter uma boa memória, a ter concentração, foco, e mesmo que eles não vivam da música, os conceitos sociais e físicos que eles trabalham aqui dentro vão torná-los pessoas mais sofisticadas para eles empregarem toda essa bagagem nos seus futuros locais de trabalho.

Para terminar, existe alguma memória que seja muito marcante para você como professor?

Existem muitas. Vou destacar uma que foi sensacional: Nós fomos para o Rio do Janeiro, eu nem acreditei quando eu vi essa galera toda no aeroporto. É muito realizador, saber que o meu trabalho, ajudou a muitos sonhos serem realizados. Esse intercâmbio com os músicos da Orquestra e Coro Nova Sinfonia, e viagem como um todo ao Rio de Janeiro, foi um pontapé enorme na vida musical/artística de muitos alunos do IAPS.

Mas sempre acontecem coisas aqui no nosso dia a dia que também nos exige muita sabedoria. Perdi as contas de tantas vezes eu já me deparei com adolescentes e adultos tristes e desacreditados da vida. Com péssimos pensamentos e atitudes degradantes. Já teve um caso até uma pessoa chegar a se despedir de mim, pois sabia que amanhã eu não ia mais vê-la. Você entende o que eu quero dizer né?

Claro que tudo isso tem muito suor derramado, principalmente da Simone, porque quando nós começamos o curso de música, não tínhamos nem sala e hoje em dia, temos dois equipamentos super modernos, amplos e muito bem equipados.

“[…] Eu sei que eu tenho o melhor trabalho do mundo.”

Aqui nós temos um projeto social com perfil de escola de música técnica profissionalizante, só depende do estudante a forma que ele quer usufruir disso.Apesar de não termos o reconhecimento de nenhuma entidade, seja federal ou estadual ou municipal de educação, mas somos sim um curso de alto nível. E apesar de não sermos uma escola de música independente, o IAPS oferece uma experiência muito próxima de uma escola profissional. Enfim, O IAPS não tem só a escola de música, são várias outras atividades distintas e sempre consegue entregar tudo do melhor para a comunidade do Tancredo Neves. É muita sorte, muito sangue no olho, muita resistência, muita resiliência e, acima de tudo, muito amor pela comunidade.

Muito obrigado por conversar aqui com a gente, falar sobre o teu trabalho, sobre tua vida, pra gente entender melhor como funciona a música aqui no IAPS.

E muito obrigado pela entrevista, obrigado vocês também. Quero dizer que é muito importante esse movimento que está sendo feito, que eu sei que vai  permanecer e vai criar cada vez mais, quem sabe isso aqui se torna, daqui a pouco tempo, um canal no YouTube, um podcast. A gente faz um podcast aqui do bairro e começa a entrevistar os personagens da nossa realidade. Tudo começa por isso, e são vocês quem estão começando. Tudo que é inovador deve ser aplaudido.  Conte comigo tanto na minha parte técnica de fazer o negócio acontecer como na parte de trazer conteúdo pra alimentar essa nossa vertente tão bacana que se chama Escola de Música do IAPS. É isso, parabéns, muito obrigado também!

Áudio da entrevista